Ícone tradicional e aguardando com ansiedade por devotos de Nossa Senhora de Nazaré – na fé ou no afeto, o cartaz do Círio, pelo terceiro ano consecutivo, ganhou uma versão exclusiva da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa. Apresentado com características e elementos amazônidas, a obra foi assinada pelo artista Yan Bentes.

Mantendo a tradição de convidar um artista paraense para expressar, por meio da arte, o sentimento de fé e pertencimento que envolve a festividade, a FADESP incentiva e apoia a valorização da produção cultural amazônica e o talento de seus artistas.
Natural de Juruti, no oeste do Pará, Yan descreve o convite como uma honra afetiva. “Minha família é devota a Nazinha lá em Juruti e sempre amigos de Belém conseguem os cartazes para compor a casinha dos meus avós e fitinhas para fazer os pedidos. Então eu sempre estava próximo dela de alguma forma, visualmente, e na fé das pessoas que amo”, conta o artista.
A obra de Bentes propõe um olhar amazônico sobre o sagrado, aproximando Nossa Senhora de Nazaré da identidade e da estética das mulheres do Norte. “Esta ilustração nasce como um gesto de afeto e resistência cultural”, explica. “Ao retratar Nossa Senhora com traços das mulheres do Norte, acompanhada de Jesus que também reflete essa identidade, a obra questiona a padronização estética que, por séculos, estabeleceu como ideal de santidade a figura eurocentrada”.
Um dos elementos centrais da composição é a coroade Nossa Senhora, aqui desenvolvida sem ouro, mas em palha tecida como na cestaria amazônica, assim como seu manto. “Esta escolha carrega uma profunda denúncia e, ao mesmo tempo, uma afirmação: a fé não precisa se revestir de metais que hoje estão associados ao garimpo ilegal, à devastação ambiental e à violência que atinge povos e territórios. A palha, ao contrário, representa o fazer manual, o artesanato comunitário, a força das mulheres e homens que moldam fibras com paciência e delicadeza. É símbolo de resistência, de sustentabilidade e de vida em harmonia com a floresta. Assim, a coroa deixa de ser ostentação e passa a ser afirmação de um modo de existir que respeita a Amazônia”, explica o ilustrador.
Outros elementos da composição reforçam essa ligação entre fé e território, à frente da Santa, uma mulher carrega uma casa sobre a cabeça, representação dos devotos que depositam promessas e gratidão em gestos simples e profundos; no alto, dois anjinhos com asas de arara azul evocam a pureza e a fé das crianças nortistas; na base, uma mão com fitas de promessas traduz a entrega dos fiéis; e, nas laterais, vasos de cerâmica marajoara com lírios unem a ancestralidade amazônica à simbologia litúrgica do Círio.
“A arte não nega a tradição, mas a amplia”, afirma o ilustrador. “É uma homenagem à beleza real, cotidiana e afetiva das mulheres nortistas, mulheres que, assim como Maria, carregam a vida, sustentam os lares, alimentam com cuidado e protegem com firmeza”, diz Yan.
Segundo o diretor executivo da FADESP, Roberto Ferraz Barreto, o convite a artistas locais representa uma forma de traduzir, em imagem, o sentimento que move o povo paraense. “A FADESP acredita que o conhecimento se manifesta de muitas formas, na ciência, na educação, na pesquisa e também na arte. Ao apoiar o trabalho de artistas paraenses, promovemos o desenvolvimento da Amazônia com sensibilidade, respeito e valorização das nossas raízes. Somos amazônidas e nascemos, há 48 anos, com o objetivo de trabalhar pelo desenvolvimento da região – em todos os seus aspectos”.

