Programa MOTIRÕ realiza Palestra “Racismo Climático e Colonialidade” na UFPA

  • DATA DE PUBLICAÇÃO: 15/07/2025

A jornalista, pesquisadora e ativista Flávia Ribeiro, realizou  na Universidade Federal do Pará, nesta quinta-feira (10 de julho), a palestra “Racismo Climático e Colonialidade”, evento que integra a programação do Programa Motirõ, idealizado e desenvolvido pela Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP), em preparação para a COP-30.

Diante de um auditório lotado, na Coordenadoria de Capacitação e Desenvolvimento (CAPACIT-UFPA), Flávia compartilhou conhecimentos acadêmicos, vivências e informações cotidianas que denunciam os entrelaçamentos entre racismo climático e colonialidade nas estruturas sociais e ambientais. Neste contexto, a pesquisadora destacou como as populações negras, indígenas e periféricas são as mais impactadas pelas mudanças climáticas, ainda que historicamente tenham contribuído menos para sua intensificação.

Segundo ela, as temáticas evidenciam como o racismo estrutural e a lógica colonial ainda orientam decisões políticas, econômicas e ambientais, levando à invisibilização de saberes tradicionais, ao deslocamento forçado de comunidades e à concentração de recursos em regiões privilegiadas.

Por todas essas questões, Flávia provocou reflexões sobre a necessidade de descolonizar a agenda ambiental, colocando os povos do Sul Global, especialmente da Amazônia, como protagonistas nas soluções climáticas. Ela entregou um chamado urgente à consciência coletiva. Em uma fala intensa, atravessada por dados, exemplos reais e reflexões profundas, Flávia expôs as múltiplas camadas de opressão que estruturam a sociedade brasileira e alertou: “não, não somos todos humanos, não enquanto houver silenciamento e normalização da violência.” Para ela, a exploração da natureza caminha junto com a exploração dos corpos racializados, ou seja, a colonialidade se atualiza constantemente nas formas de organização social, política e econômica do país. “O privilégio de uns se constrói em cima da ausência de direitos de muitos”, assegura.

Ao responder a uma pergunta encaminhada pelo público, Flávia Ribeiro se emocionou ao lembrar de fatos que marcaram sua infância e a de sua família,  experiências íntimas que revelam o quanto o racismo estrutura até mesmo os espaços mais lúdicos das crianças. Em um dos momentos mais marcantes de sua fala, ela relembrou o desejo de ser paquita nos anos 1980, um sonho aparentemente inocente, mas que, para uma menina negra da periferia de Belém, era impossível. “Eu sabia dançar, mas eu não tinha bota, não tinha dinheiro, não tinha cabelo liso, nem olho claro. Nem na infância, quando tudo que a gente quer é brincar, eu podia ser paquita”, relatou. Essa impossibilidade, segundo Flávia, vai além da estética: é o reflexo de um país onde a infância negra ainda é marcada pela exclusão e pelo silenciamento.

Flávia também denuncia o apagamento da negritude e o racismo estrutural contra a Amazônia. Ela relembrou episódios como o apagão no Amapá durante a pandemia, quando muitos brasileiros sequer sabiam localizar o estado no mapa. “As pessoas achavam que era no Nordeste. E isso não é piada”, afirmou. Ela também compartilhou experiências que mostram como o racismo institucional impede a centralidade da negritude nas decisões e eventos políticos, mesmo em regiões onde negros são a maioria da população. Um exemplo foi a organização da Marcha das Mulheres Negras em Belém, realizada desde 2016. Em uma das edições, um dançarino colombiano a abordou, surpreso com sua presença: “Lá onde eu moro, as pessoas não sabem que tem negros aqui”. A fala resume a dimensão global do apagamento dos povos negros amazônicos.

A pesquisadora e ativista concluiu a palestra interagindo com os participantes e estimulando à busca por informações e novas percepções acerca das temáticas debatidas no encontro. “Essas ideias precisam ser plantadas. E outras, que estão aqui dentro da nossa cabeça, precisam ser desenraizadas”, afirmou. A fala é um chamado para romper com o senso comum, com a naturalização da desigualdade e com o conformismo diante da injustiça. “A periferia sempre foi assim, sempre alagou na Terra Firme, na Cremação. Mas não tem que ser assim. Não precisa ser assim. Alguém está sendo privilegiado enquanto outros estão sendo prejudicados”, destacou. 

Flávia evocou ainda o pensador indígena Ailton Krenak, citando trechos do livro Ideias para adiar o fim do mundo. “Se a Terra adoecer, nós adoecemos juntos. Não tem jeito de sermos pessoas saudáveis com o planeta todo quebrado”, lembrou ela, reforçando a importância da sabedoria ancestral que insiste na interdependência entre seres humanos e natureza. 

Ela finalizou a apresentação com uma das frases mais simbólicas de Nego Bispo “A gente é começo, meio e começo” , reforçando que não há fim inevitável, mas sim possibilidades constantes de recomeço. O cuidado com a Terra, a justiça social e a superação do racismo estrutural não podem mais esperar.

Texto: Ana Teresa Brasil – Movimento Ciência e Vozes da Amazônia, com a contribuição de Camilla Queiroz Gaspar